terça-feira, 29 de dezembro de 2009

PERPÉTUA - Nuno Sousa



inaugura a 2 Janeiro 18h
ESPAÇO GESTO - Rua Cândido dos Reis, 64

PERPÉTUA
“Hoje (...)
estou contente, estou preparada.
Não tenho medo...
vou, por fim, saber...
Diga-lhes,
se puder...
Sinto-me cansada,
Espere!
Falta alguma coisa...
talvez esta seja a última palavra...
Tudo fica no escuro.”

Durante um longo período de tempo, comportou-se de forma invulgar. Embateu várias vezes contra as esquinas dos móveis, calculou mal as curvas ao virar os corredores. Num Sábado de tarde, ao escurecer, confessou-me, um pouco a medo, andar ocupado com “formas não familiares da matéria”. Parecia distraído, macambúzio, sorumbático, como se num estado de concentração ensimesmada, mas do avesso. Em diversas situações fui surpreendido com a sua aparição, como se emergisse silenciosamente das sombras, feito alma-penada a vaguear desamparada pela penumbra. Aparentava gostar de lugares-mortos.
Consta ter sofrido penosas assombrações espontâneas e súbitas experiências “fora-do-corpo”. Dizia ouvir, de quando em quando, pessoas reunidas, de ambos os sexos – falavam todas ao mesmo tempo e de “assuntos muito sérios”, ao que parece...
Ficou registado que era capaz de fazer levitar objectos invulgarmente pesados, ou trazer a si “o que bem entendesse”. Nos últimos tempos, dedicou-se com grande afinco a uma desordenada série de escritos autómatos, num estado semelhante a um transe, “entregando a mão a uma vontade alheia”. Articulava mensagens estapafúrdias num estilo muito diferente do habitual.
Em algumas conversas ocasionais, aparentemente disparatadas (agora, à distância, todas elas parecem fazer algum sentido) falou-me de uma certa mulher, ou alguém a fazer-se passar por tal, que o andaria a importunar por causa de uma questão irresolúvel, ou um qualquer mal-entendido.

Nuno Sousa

Nascido no Porto em 1979. Licenciado em Artes Plásticas - Escultura pela FBAUP. Membro fundador do colectivo Senhorio, participando desde 2004 na produção e publicação de vários fanzines: "Barba", "Pingue", "Busto", "Mister", "Não me contes o fim - Eles Morrem Todos!", "Formigueiro", "Grande Prémio de Desenho".
Integra como compositor e intérprete os projectos musicais: Stowaways, Sr Doutor e João Peludo e a Orquestra Sonâmbula

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Retratos a Pedra Negra

"Definido o alvo, atirei-me à tarefa de retratar cerca de quarenta pessoas em cinco meses. Dentro do possível, quase todas as pessoas envolvidas no projecto "Identidades", 16 delas (um grupo de moçambicanos e brasileiros que estiveram no Porto no âmbito do referido projecto) desenhei em três dias. Ao quarto, descansei.
Alla prima.
Na grande maioria das exposições de desenho, os trabalhos expostos resultam de uma selecção que, certamente obedece a diferentes critérios, porventura, de diferentes pessoas. Aqui, para meu infortúnio não há critério. Não houve segunda tentativa nem retoques de aperfeiçoamento fora do tempo de pose (que podia variar entre os 30 e 50 minutos). O que se pode ver nesta exposição é, mesmo, "desenho a metro".
O formato, as dimensões do papel, o material riscador, o cadeirão foram as constantes.
As poses, os enquadramentos, as diferentes distâncias a que me coloquei dos modelos, o posicionamento da folha, vertical ou horizontal, foram as variantes de desenho com as quais me debati, em torno daquilo que se pode designar "aspectos de composição".
A grande maioria das pessoas representadas, conheci-as pela primeira vez, no momento. Não houve estudos prévios, fotografias nem recurso a qualquer instrumento de rigor, como câmara escura.
Uma vez cordialmente cumprimentado, o futuro retratado era instalado no cadeirão. A ser estudada, a pose não o foi por mim. A partir desse momento, apenas em breves minutos ou segundos, tomo algumas decisões determinantes para o resultado final.
Conversas com o modelo: muito poucas."

Ricardo Leite






















terça-feira, 24 de novembro de 2009

RETRATOS A PEDRA NEGRA - Ricardo Leite



inaugura a 1 de Dezembro 18h
ESPAÇO GESTO - rua Cândido dos Reis, 64 Porto

RETRATOS A PEDRA NEGRA
Na verdade, de há uns anos para cá, não tenho feito outra coisa (à parte pintar cinzeiros, cactos, algumas flores, cadeiras e macacos de peluche). Porém, embora reconheça que pintar retratos me retira, merecidamente, a possibilidade de ser conotado como criativo e interessante, não me atormenta a ideia de retratar pessoas até ao fim da minha vida.               
“… e quando tiver cento e dez anos tudo o que fizer, seja um ponto ou uma linha, estará pleno de vida”, palavras do velho mestre Hokusai. Não prometo o mesmo.
Alla prima
Na grande maioria das exposições de desenho, os trabalhos expostos resultam de uma selecção, que, certamente, obedece a diferentes critérios, porventura, de diferentes pessoas.
Aqui, para meu infortúnio não há critério. Não houve segunda tentativa nem retoques de aperfeiçoamento fora do tempo de pose (que podia variar entre os 30 e os 50 minutos). O que se pode ver nesta exposição é, mesmo, “desenho a metro”. 
O formato, as dimensões do papel, o material riscador, o cadeirão foram as constantes.
As poses, os enquadramentos, as diferentes distâncias a que me coloquei dos modelos, o posicionamento da folha, vertical ou horizontal, foram as variantes de desenho com as quais me debati, em torno daquilo que se pode designar “aspectos da composição”.
Parecido, parecido, não está!
O ponto onde a prática do desenho de retrato ao natural se distingue de outras formas de representação - excepto da pintura - é, a meu ver, o tempo.
A consonância entre os tempos das duas pessoas envolvidas nesta situação é flagrante.
Poderia formular o problema deste modo: ambas estão a ser em simultâneo. A imobilidade do retratado é aparente.
Ao decorrer dos minutos a anatomia reage, ainda que milimetricamente: os músculos relaxam ou contraem, na procura de minimizar desconfortos físicos que não se revelaram inicialmente; o rosto, como veículo privilegiado da expressividade psicológica, mostra-a fisicamente exposta.
À linha que, num preciso momento, tenta captar uma determinada configuração, acumular-se-ão outras linhas que, minutos ou segundos depois, encontram outras configurações. Poder-se-á dizer que as linhas, perseguem os vários momentos da pessoa retratada ao longo da sessão.
Daí que convém sempre dar uma vista de olhos aos desenhos do primo, do filho do amigo ou do neto que, “ainda em pequenino, sempre teve muito jeito para fazer a cara das pessoas e que as fazia mesmo parecidas”.


Ricardo Leite

Nasceu no Porto em Setembro de 1970.
Licenciou-se em Artes Plásticas- Pintura em 1999 na FBAUP, tendo estado o último ano do curso em Salford (Reino Unido) ao abrigo do programa Erasmus.
Em 2000 é o vencedor do primeiro prémio de pintura Arte Jovem de Penafiel e no mesmo ano tem um trabalho exposto na National Portrait Gallery em Londres no âmbito do prémio anual BP Portrait Award.
Em 2006 ganha o Prémio Revelação de Pintura da Caixa geral de depósitos/Centro Nacional de Cultura.
De 2000 a 2009 desempenhou funções de docente de desenho e pintura na Escola Superior Artística do Porto.
É o formador responsável pelo Curso Livre de Desenho na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto desde 2006.
Leciona na Escola de Experiências Artísticas Nextart em Lisboa e é actualmente assistente estagiário na disciplina de Desenho na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto. 
   
www.ricardo-leite.net

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

OS OSSOS DE QUE É FEITA A PEDRA - Visões Úteis



inaugura a 31 de Outubro 23h

ESPAÇO GESTO - rua Cândido dos Reis, 64 Porto

OS OSSOS DE QUE É FEITA A PEDRA
Aos primeiros raios de sol, o homem riscou na terra um quadrado perfeito e começou a escavar. Moveu pedras e terra com a obstinação de uma missão que lhe tivesse sido destinada, ou de uma maldição que não pudesse contornar. Rasgou com a pá o chão como se, ao fazê-lo, ele próprio entrasse no solo, imergindo por estratos de matéria repisada. Escavava e continuava a escavar, movia o peso de mil anos em cada grão de terra, reconstruía uma genealogia em cada investida do metal contra o chão. Contava os ossos de que é feita cada pedra, revelava o aglomerado de gente concentrada nesse pó.
E a cada movimento, o homem ia devolvendo ao sol o chão, revolvendo os corpos, as suas palavras, para finalmente as descobrir à luz.
O homem escavou e continuou a escavar: reconstruía a sua casa.

“Os ossos de que é feita é pedra” é um audio-walk criado em 2009 pelo Visões Úteis a convite da Fundación Cidade da Cultura e da Xunta de Galicia para as instalações da Cidade da Cultura em Santiago de Compostela. A Dramaturgia e Direcção são de Ana Vitorino, Carlos Costa e Catarina Martins. A Paisagem Sonora e Engenharia de Som de João Martins. A Intervenção Plástica de Inês de Carvalho. A Interpretação, entre outros, de José Barato, María Bouzas e Rocío González. E a Colaboração na Dramaturgia de Nuno Casimiro.

Sintam uma obra-prima feita com pedaços de lua roubados aos americanos. Guerras feias se travaram para a conseguir e agora aqui está, para os mais audazes. Para os mais afortunados. Esta obra genial é capaz das maiores proezas: basta que a tenham convosco. A peça que os reis quiseram ter e não puderam. Só há dez exemplares no mundo! Como é possível esta fantástica máquina de guardar momentos, meus senhores? Porque é um objecto especial. Feito de lua e de fibras raras, trabalhadas no monte mais alto do Ceilão. Sabe onde fica o Ceilão, minha senhora?
Não sabe, pois não? Fica longe, muito longe. Por baixo desta capa colorida, está uma massa rara, feita das mais mágicas pedras, a única peça feita com pedaços do xaile onde Maria Madalena chorou! Pois é, senhoras e senhores, o venturoso que a possuir pode conservar aqui os momentos mais felizes que já viveu. Não, não é um gravador de sons. Não serve para ouvir de novo as palavras. Serve para viver de novo a felicidade. Sim, que esta máquina só conserva momentos felizes: o dia em que o sol se pôs mais tarde, o momento em que. a sua senhora sorriu um pouco mais. Não há coisa igual no mundo. Cheguem-se, cheguem-se! Quem vai ser o felizardo?


Visões Úteis

O Visões Úteis (Porto, 1994) é um projecto artístico, de raizteatral, que se produz a si próprio, um projecto pluridisciplinar, marcadamente de autor e consciente da sua responsabilidade social e política para com as comunidades envolventes.
Nos últimos anos as dramaturgias originais dos seus responsáveis artísticos ganharam especial relevo e o projecto alargou-se a trabalhos sobre a paisagem urbana que têm conhecido uma progressiva internacionalização.
Desde sempre o projecto estético cresceu em sintonia com um forte sentido ético, numa constante reflexão acerca do sentido contemporâneo de fazer arte e teatro, que quotidianamente marca as opções de trabalho.
A Direcção Artística é de Ana Vitorino, Carlos Costa e Catarina Martins.