sábado, 29 de agosto de 2009
TEMPOS LIVRE - Inês Azevedo
1 de Setembro 18h
ESPAÇO GESTO - rua Cândido dos Reis 64 - Porto
TEMPOS LIVRE
Tem um pátio que se estende para as traseiras com a largura da sua casa.
O pátio estava coberto de flores de variadas espécies mas o que era realmente incrível eram as cores. Brancas, amarelas claras e escuras, cor-de-laranja, vermelhas, cor-de-rosa claro e escuro e bordeaux.
Um dia encontrámo-nos na entrada do prédio. Tinha acabado de comprar uma planta carnívora para oferecer à minha madrinha no Domingo de Ramos. Quando viu a planta quis muito uma igual, mas já não havia.
Algum tempo depois o pátio que servia de suporte a uma estrutura de baldes e bidões, de diferentes tamanhos e cores, pousados ou suspensos em placas de madeira, nas paredes ou no chão, começou a mudar. Apareceram umas estruturas metálicas muito finas e altas. Eram umas antenas de rádio amador.
Inicialmente as plantas e as antenas conseguiram existir no mesmo espaço, mas as antenas acabaram por ganhar. As flores secaram e desapareceram, os vasos e os bidões vazios foram-se amontoando e lentamente foram sendo arrastados para o lixo.
O jardim parecia outro. Chegou a ter ao mesmo tempo umas sete antenas, umas mais altas do que o prédio, de três andares, e outras mais baixas mas com uma estrutura muito mais complexa. O carro, uma carrinha Renault branca comercial, tinha uma antena em espiral e um walkie talkie.
Os vizinhos começaram a comentar e a querer organizar uma reunião de condóminos. Diziam que esta loucura só podia ser mesmo coisa de um homem desempregado, que ainda por cima era estranho e segundo se ouviu dizer, possuía uma espécie de esquizofrenia.
Os meses foram passando e um dia as antenas começaram a desaparecer do pátio, ao mesmo tempo que um barulho estranho vinha dos arrumos no telhado.
Encontrámo-nos à saída do prédio e ele convidou-me e ao meu marido para um dia irmos assistir às suas conversas, já tinha amigos na Austrália. Tinha mudado as antenas para os arrumos do telhado que a sogra tinha cheio de entulho. Agora as antenas eram mais pequenas e em menor quantidade, mas mais eficazes. Passou a ir lá todos os dias, de manhã e à noite.
Por esta altura, em frente a nossa casa, abriu uma loja de protótipos de carros e de aviões que se movem a gasolina e podem ser telecomandados à distância.
Um dia encontrámo-nos, mais uma vez na entrada do prédio, tinha um avião branco que andava a pilotar.
Foi ao pensar nestes prazeres do meu vizinho e em como é fantástico o trabalho a que um homem se dedica quando não tem um emprego, que me lembrei de ti, dos últimos anos da tua vida. Quando, depois de nos esqueceres a todos, já não reconhecias a mulher com quem sempre tinhas vivido, a única coisa que te era presente era a composição que lhe tinhas criado há muitos anos atrás.
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